
Pedimos licença do habitual bom humor do Collecta pra falar de uma coisa bem séria.
Poizé, como muita gente já sabe, a galeria
Choque Cultural, assunto de diversos posts daqui do Collecta, foi invadida e depredada no sábado do dia 6 de setembro. Era o último dia da exposição "Pop revisitado".
Como a maioria já viu nas fotos tiradas pelos próprios invasores (que a gente não vai mostrar aqui simplesmente por não querer ligação alguma com o bando), tudo lá dentro foi pixado. Obras do Speto, John Simpson, Gerald Laing. As duas vendedoras da galeria, apavoradas pela invasão repentina e violenta de cerca de 30 pessoas, tiveram inclusive seus celulares roubados. O motivo alegado da invasão é o protesto contra a venda de trabalhos de street art em uma galeria.
Mas, na nossa opinião, o pior veio depois. Começaram a dizer, sem fundamento algum, que a invasão teria sido encomendada pelos próprios donos da galeria, com o objetivo de lucrar com a divulgação do fato.
Antes de continuar, vamos a uma breve história da Choque. A galeria é comandada por Mariana Pabst Martins, Baixo Ribeiro e Eduardo Saretta. Mariana é arquiteta e filha do mestre Aldemir Martins, de quem herdou o gosto pela arte. Baixo é estilista, especializado em skate, rock, graffiti e outros assuntos juvenis. Eduardo é historiador, incentivador da street art e leciona técnicas de impressão. Os três lutam faz tempo pelo reconhecimento da importância da arte urbana, levando-se em conta que mais da metade da população do planeta vive em grandes metrópoles.
Primeiro montaram a Editora Choque Cultural, com edições limitadas, numeradas e assinadas de posters, livros, stickers, brinquedos, etc. Depois, em 2003, veio a galeria, com as paredes sempre pintadas, os preços ao lado das obras em um ambiente diferente, próximo e acolhedor, sem a sizudez da maioria das galerias. E a Choque foi se revelando um centro importantíssimo de arte contemporânea em São Paulo, com cada vez mais repercussão. Com o tempo, tornou-se impossível fazer um passeio na Benedito Calixto (praça próxima à galeria, no bairro de Pinheiros) sem dar uma passada na Choque em seguida.
Como acontece pra qualquer um que abre um negócio próprio, o trampo e os gastos foram grandes. Os proprietários investiram na galeria por três anos, sem retorno financeiro imediato. Só passaram a "operar no azul" em 2007.
Agora me diga, amigo leitor do Collecta: quem em sã consciência encomendaria a depredação do próprio negócio, depois de tanto investimento? Nós sinceramente nunca acreditamos nisso. Ao trauma e a tristeza pós-invasão - como se não fossem suficientes - somaram-se essas acusações absurdas.
Segue agora uma nota de repúdio escrita pelos proprietários:
"No dia seis de Setembro a Galeria Choque Cultural foi invadida e depredada. Várias obras foram danificadas.
Os próprios autores divulgaram imagens da ação e se vangloriam da agressão em sites na internet. Houve uma convocação à violência, à propagação do ódio e à intolerância covarde. Esta autopromoção organizada é uma forma explícita de autoritarismo truculento disfarçado de protesto.
Nós repudiamos qualquer tipo de violência.
Mariana Pabst Martins, Baixo Ribeiro, Eduardo Saretta"Saldos da invasão: restauração de algumas obras, troca de molduras de diversas outras, re-pintura do interior do imóvel todo. Ou seja, dá-lhe grana. Mas o que não dá pra "restaurar" tão fácil é o trauma que isso tudo causou na equipe toda de lá, proprietários e funcionários.
Agora, acima de tudo, a discussão é a seguinte: o artista de rua (eu disse o artista, não o fanfarrão) não pode ir pra galeria? Uma galeria de arte não pode representar, divulgar e vender, no país e no exterior, um trabalho de street art? O cara talentoso que pinta muros por aí afora tem que morrer pobre e não merece reconhecimento pelo trabalho?
O Collecta tá com a Choque Cultural. O Collecta tá com os artistas e com a arte contemporânea em geral. E o Collecta tá é bem longe de protestos boçais e violentos.
Rodrigo Disperati e Erika Tani Azuma